#24 Cadê o balde do pai?
Desafio no ar: é tarefa dos homens resolver o problema que eles criaram chamado violência contra mulher. Todo mundo tá perdido. Mas são eles que precisam achar por onde. Sugiro começar com um amigo
“Te falta repertório emocional”. Confidenciou Emicida, quando era parte do elenco do Papo de Segunda, sobre a frase que escutou da terapeuta da filha a cerca da dificuldade em, ali, estabelecer uma conexão real com a criança, suas questões e seu desenvolvimento.
Anos depois, um dos membros do mesmo programa conseguiu verbalizar em praça pública que as mulheres erram ao confundir Homens com Machismo.
Tá. Em meio a tantos outros erros que vieram em sequência após a inaugural declaração, aponto para o que considero o ponto de partida do rolê: quando coloca a mulher como a errante nessa luta, entre tantas outras camadas, já fica implícito que são elas (somente elas) que estão e devem permanecer no front da batalha contra a misoginia.
E eles, minhas deusas, cadê?
A genial roteirista Renata Côrrea, em sua participação na Newsletter Nem Toda Mulher conseguiu desenhar o incômodo que nos assola ainda mais em tempos de alta de feminicídio.
Incômodo (raiva mesmo) em decorrência dessa permanência do universo masculino em ficar confortavelmente na plateia. Pois eles parecem só assistir o machismo matar, promover desigualdades de toda sorte, sobrecarregar as mulheres e adoecer toda a sociedade.
Pois quando são chamados à responsabilidade, vestem a armadura frágil para se colocarem “fora dessa”, com argumentos tão rasos como:
CALMA LÁ, NEM TODO HOMEM…. (complete aqui com o que desejar)
Sobre isso, Renata bradou:
Um homem bom quando vê um incêndio não anuncia num megafone que nunca tocou em uma caixa de fósforos. Ele pega a porra de um balde.
Ele pe-ga a por-ra de um bal-de!
E isso significa que - pensando aqui em nosso campo progressista, tá? onde ainda há um suspiro e as mulheres são encaradas como gente - se não tiver uma implicação real dos homens nessa questão, não vai ter jeito.
As mulheres vão continuar na luta, produzindo de tudo um tanto, construindo todas as pontes emocionais e reais para os novos tempos, mas sozinhas, exaustas, mortas, enxugando gelo, sendo responsabilizadas (exclusivamente) por também “criarem meninos e meninas machistas”.
Ora, ora… acho que aí temos uma pista, não?
Que pista Fernanda?
A pista está na tecla que venho batendo aqui nesse Dose Dupla, tanto que você já deve estar de ressaca; a tecla do CUIDADO.
E se você é homem e está aqui lendo, não foge agora.
Porque eu vou tentar me explicar e penso que podemos chegar aqui em uma proposta de “por onde ir”.
Bora?
SOBRECARGA E LEVANTAMENTO DE PESO
Tem um cara, personal trainer famosinho dos EUA na internet, que fica propagando ter um plano fatal para emagrecer “mulheres maduras”. Ele chama Adam Trevino e vende esses programas on line.
Trevino foi para o Twitter e nas redes deixou uma frase que em tradução livre foi:
“Se você é uma mulher com mais de 40 anos, a prioridade mais importante da sua vida deveria ser levantar peso de forma constante. Ponto Final”.
E uma gênia, que gostaria de dar um abraço, respondeu ao comando de Adam assim:
“Adam. Mulheres com mais de 40 anos estão tocando o mundo inteiro nesse momento. Cuidamos dos nossos filhos e dos nossos pais e somos a única pessoa da casa que alimenta e passeia com o cachorro que nem queríamos. Estamos protestando contra o colapso da democracia e preparando o jantar todos os dias. Estamos no meio da carreira e passamos o dia mandando muito bem no trabalho. Depois voltamos para a casa e largamos a bolsa , guardamos as compras para deixar os braços livre para carregar a bagagem emocional de toda a família. Pense em como você poderia reescrever seu post levando tudo isso em consideração”
Touché.
Eu amei quando vi no instagram da Thaís Farag, não nego. Mas eu sei.
Eu sei que só lacrar pra cima deles, só enfiar o dedo no olho dos homens, não vai ser suficiente porque penso que o que queremos mesmo é que eles enxerguem e façam alguma coisa, não é?
Vera Iaconelli e Carol Pires - que juntas tocam fogo no projeto Nem toda Mulher (que tenho a honra de participar da organização) - deram um passo inaugural na tentativa de chamarem os homens à responsabilidade.
Elas promovem espaços seguros e de respeito, tudo para que eles, os homens que sempre dizem serem parte da turma do “nem todo homem”, possam iniciar esse processo de assumir as rédeas e criar caminhos de solução para o problema que eles próprios criaram.
O Nem todo Homem já rolava virtualmente e, na última quarta-feira, dia 17, pela primeira vez, elas promoveram um encontro presencial, na livraria Bibla.
Foi aberto ao público e o mote é começar a disseminar que não basta não ser machista, é preciso ser anti-machista.
Ou seja, participar ativamente do enfrentamento ao machismo, à misoginia e à violência contra a mulher.
Convidaram o editor Ricardo Teperman e o sociólogo Luiz Augusto Campos, para estarem no centro da roda e, sem roteiros e sem amarras, falarem como pretendem participar desse processo.
E eu -que vou a todos os eventos da Bibla e por isso atestei a presença incrível e inédita de muitos homens na plateia, completamente diferente das outras ocasiões em que tínhamos no máximo dois - fiquei satisfeita em encontrar a disposição de muitos em ouvir, discordar e desenhar mais convergências.
E como foi?
Foi curioso.
A verdade é que a terapeuta do Emicida não pareceu fazer uma análise só dele.
É minha gente, falta bastante repertório sobre esses assuntos para os homens. Mesmo os bem letrados.
E aqui não tô falando de leituras e livros acadêmicos não. Não é esse repertório
Tô falando de pescoço solto, de olhar para o lado, de conversar com os brothers, de reivindicar VERDADEIRAMENTE a entrada masculina na ECONOMIA DO CUIDADO.
Como?
Quero começar mas não sei por onde
Bom, desde que a maternidade me apresentou um universo musical de excelência, quase todo dia faço uma citação de Palavra Cantada, grupo Triii e co-relatos para defender meus pontos.
Hoje vou de Tiquequê para amarrar o assunto, que nos brinda com a reflexão que rege esse debate tão forte de responsabilidade dos homens na violência de gênero.
Na música começo, eles cantam;
“Quero começar mas não sei por onde.
Onde será que o começo se esconde?”
Meça o começo. Come e meça.
Começa
Teperman, no encontro da Bibla, deu uma sugestão.
Disse que o começo pode ser na amizade, sim na amizade masculina. Na conversa verdadeira, olho no olho, no entendimento real de como são e como vivem os homens que agora precisam se a ver com seu próprio machismo.
E eu sei que isso é difícil e parece pequeno diante das mortes tão cruéis e explícitas que são noticiadas. Mas a violência explícita às vezes pode ser paralisante para as mudanças e ações na engrenagem tão necessárias que estão no cotidiano e precisam ser feitas.
Come e meça. Começa. Conversa
E eu sei que os homens têm dificuldade em criar intimidades capazes de conversas desse tipo. Mas elas são necessárias
Eu já tinha aventado isso com meu companheiro.
No dia da manifestação #Mulheresvivas contra os feminicídios, eu disse a ele:
De dez amigas minhas, quatro já sofreram a violência. Todas praticadas por pessoas de relacionamento próximo. Namorado, pai, ficante, irmão…
Se as minhas amigas estão sendo violentadas, seus amigos estão violando. A gente fala sobre as agressões que enfrentamos, quase sempre, buscando caminhos para nos protegermos dessas relações, criarmos formas de sairmos dela, entendendo onde erramos para estarmos nisso e tantos outros debates difíceis para caramba.
E VOCÊS, CARAMBA, FALAM SOBRE AS AGRESSÕES QUE COMETEM?
Pode ser um caminho….
Vocês COMETEM violência. Falem sobre isso.
E falar sobre isso pode ser um jeito de começar. E também refletir, sem armaduras, onde vocês guardam e escondem (às vezes de forma bem escancarada) o machismo de vocês.
E outra coisa.
Certamente, se você está em uma relação com uma parceira, ela deve dividir as contas contigo. E podem estar no mercado de trabalho.
Sabe, foi foda, é foda estar no mercado de trabalho. Tem muita luta, coletiva e pessoal, para estar no posto trabalhista, seja ele qual for. Machismo, pedras, sacanagens, desordens, rotinas, triplas jornadas… Olha…
E o campo do cuidado permanece intacto, só na conta da mulher.
Não dá para ter igualdade se a gente divide o mercado de trabalho mas não divide a estrutura de cuidado.
E cabe aos homens pleitear essa entrada e permanência, tal qual fizeram as mulheres para hoje conseguirem financeiramente darem conta de ganharem o que ganham (e não venha me falar de escolha. Porque se fosse, você abre mão do salário dela? Você abre mão do cuidado que ela oferece? Ou você só olha ela queimando e pensa, nossa ela que escolheu essa vida?)
Então, caras, protestem pela licença paternidade. Protestem para entrar nesse campo. Não fique mais na plateia.
“Pra gente “chegar lá", todos juntos, não basta que mulheres acessem o mundo do trabalho que já foi dominado por homens. É preciso que homens entrem, de fato, no mundo do cuidado – de si e dos outros”, define Carol Pires na newsletter Nem Toda Mulher.
PEGUE A PORRA DO BALDE.
MESMO SE VOCÊ SÓ TIVER UMA GOTA HOJE A OFERECER.
PEGUE A PORRA DO BALDE.
Com amor,
Fernanda


